quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Ainda os Cartoons

Deixo aqui algumas palavras sobre algo que se tem esquecido, os cartoons em si. Noutro Post falo das reacções muçulmanas

Ponto 1 - Estes Cartoons nunca poderiam ter sido censurados. O Objectivo do Cartoonismo é criticar, espicaçar, criar linhas de pensamento crítico e fazer rir.

Vejo muitos a criticar esses cartoons, a dizer que são de mau gosto. Até poderão ser mas isso é um reflexão pessoal e subjectiva. Muitos gostam de quintas e recrutas.

Ponto 2 - Desconheço o editorial que acompanhava esses cartoons. Aí sim e dada a responsabilidade pública que um órgão de comunicação tem, nunca deveria ter (segundo o que dizem alguns) ter publicado palavras xenófobas e insultuosas.

Mas fosse com quem fosse.

O fim do cartoon é o riso, logo não deverá ser interpretado como verdade absoluta, mas sim enquadrada no esquema de um humor corrosivo. Um editorial é uma tomada de posição bem mais vinculativa e grave, e se o tal editorial era xenófobo esse sim deveria ser evitado, nunca os cartoons.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Umbiguismo...


Umbiguismo - é o mínimo que se poderá dizer do editorial de hoje de Nuno Pacheco no "Público" e do ataque que faz às declarações do MNE português a propósito das reacções às caricaturas dinamarquesas.
Freitas do Amaral esteve bem ao demarcar o Governo português e Portugal do conteúdo insultuoso e do propósito estigmatizante de todos os muçulmanos visado nas caricaturas. Fez o que o Governo de direita dinamarquês deveria ter feito inicialmente e não fez. Por incompetência, arrogância e por calculados interesses políticos internos - dependente, como é, do apoio da extrema-direita racista e xenófoba detrás do jornal que publicou as caricaturas. Incompetência e arrogância que levou o PM Andreas Rasmussen ao extremo de durante meses recusar receber os embaixadores de países muçulmanos - e logo ali podia ter acabado com o problema, distanciando-se dos propósitos ofensivos dos "cartoons" e também rejeitando, como é óbvio, qualquer ingerência ou sanção contra o jornal (o que eventualmente apenas caberia aos tribunais).
Freitas do Amaral fez o que a Europa deveria ter feito mais cedo. Porque a primeira vez que a Europa (Solana e a Presidência) se referiu à questão foi no fim-de-semana passado e apenas para condenar a violência contra as embaixadas da Dinamarca (obviamente condenável). Mas nem uma referência ao conteúdo gravemente ofensivo das caricaturas. E à demarcação da Europa da tolerância, do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais face à insensibilidade política e propósitos insultuosos e estigmatizantes das caricaturas.
O que está em causa não é a liberdade de expressão. Esta não é, nem nunca foi a questão central - ninguém foi impedido de publicar o que quer que fosse. Mas a liberdade de imprensa deve ser exercida com responsabilidade e bom senso. E quem não se revê em publicações estigmatizantes e insultuosas deve demarcar-se.
O que está em causa é o aproveitamento da liberdade de expressão por uma direita, xenófoba, defensora da Europa 'clube cristão', apostada em fomentar o ódio religioso. Uma Europa desmemoriada (ou, ominosamente, talvez não...) das caricaturas nazis que antecederam a perseguição dos judeus. Lembro a Nuno Pacheco as declarações do rabino-chefe da França que disse "partilhar a raiva dos muçulmanos em relação a esta publicação" e "compreender a hostilidade [em relação às caricaturas] no mundo árabe".
O que estas caricaturas (e uma delas em particular) insinuam é que a maior parte dos muçulmanos são árabes e a maior parte dos árabes são potenciais bombistas-suicidas. Citando um artigo escrito por Bradley Burston no "Haaretz" (um dos mais respeitados diários israelitas) no passado dia 6 ('The new anti-semitism, cartoon division'),: "esta mensagem é obscena. É racista. Desrespeita as convicções fundamentais de um em cada seis seres humanos no planeta. Nesse sentido, o que estas caricaturas fazem é profanar o direito à liberdade de expressão, transformando-o no direito a promover o ódio."
O que também está em causa é o aproveitamento deste incidente e dos sentimentos ofendidos de milhões de muçulmanos por parte de extremistas islâmicos, que querem a derrota da democracia, das liberdades e princípios e valores de direitos humanos. Quem não entende isto, não percebe que vivermos na era da globalização impõe especiais obrigações de tolerância e respeito pela sensibilidades dos outros. Penso-o eu, que sou ateia e que sempre defendi a universalidade dos direitos humanos e combati o relativismo cultural invocado para a contestar.
Quando Nuno Pacheco considera as declarações do MNE "afectadas por uma cegueira que toca as raias do absurdo" e que "há quem dê mais importância a uns desenhos do que à vida humana", o jornalista está a ser demagógico, simplista, e acima de tudo, esquece-se das responsabilidades que advêm de se ser Ministro dos Negócios Estrangeiros de um país europeu. Na mesma linha, os PMs turco e espanhol, em carta publicada em conjunto no "International Herald Tribune" de 5 de Fevereiro, qualificaram as caricaturas de "profundamente ofensivas" e salientaram que "não existem direitos sem responsabilidades e respeito por sensibilidades diversas."
Nuno Pacheco pergunta se "os povos muçulmanos pediram a Portugal qualquer coisa" e responde à pergunta, retórica, com um rotundo "não". Independentemente da reacção fora da Europa, independentemente e para além de embaixadas queimadas e muito antes sequer de reflectir sobre a reacção no mundo muçulmano às caricaturas, a Europa pode e deve condenar este tipo de manifestações de xenofobia, baseando-se pura e simplesmente na tolerância, no respeito pela diversidade e na experiência dolorosa de horrores passados. São esses os fundamentos da "raison d'être" da União Europeia.

(Carta enviada à direcção do "Público", em reacção ao editorial de hoje)
[Publicado por Ana Gomes] 8.2.06

O Intelectual Urbano


Sempre existiu, ainda que com cambiantes vários e figurinos diversos. É uma imagem da fauna urbana que acompanha os tempos e as modas. Exibiu-se nos salões da nobreza decadente, vegetou nas tabernas e nos prostíbulos, intrigou nos cafés, profetizou desgraças em bares soturnos de superfícies adamascadas. Desde a emergência das emissões por cabo tornou-se mais presente e, sobretudo, mais dominante. Das rubricas femininas, ao comentário político, das charlas psicanalíticas aos programas humorísticos, ele é o eixo da roda. Falamos do intelectual urbano. Utilizamos a expressão no masculino reconhecendo embora que o espécime não tem sexo. Melhor, tendo-o, atravessa ambos e todos os outros que as novas evidências vão criando. O intelectual urbano é um mamífero, circunstância que por vezes lhe afigura desagradável por apelar à sua condição animal, parente dos símios e da família dos primatas. Mas a natureza é ingrata e não lhe permite ultrapassar esta desagradável vicissitude da Criação. Acresce que costuma dar corpo a esta sua condição mamando nos impostos dos ignorantes contribuintes que lhe garantem o sustento, público necessariamente, pois só este lhe dá a tranquilidade para poder ser intelectual e urbano.

O intelectual urbano, é portanto, um mamífero. Por natureza e sucção. Ou seja animal e mamão. Mas é um mamífero vertebrado, ainda que a sua vertebração seja mais cartilagínea do que óssea e mais propensa à curvatura e sujeição do que à verticalidade e à hirteza. Ele relincha como o cavalo árabe de crinas ao vento mas aceita o freio e teme a espora sempre que pica.

O intelectual urbano é criatura da noite. A luz solar perturba-lhe a verve, que é a pulsão do seu talento. Trata-se de uma criatura osculada pelo génio. Sem verve murcha e do ósculo que da baba residual residual e peganhenta. Gosta que gostem de si. Que lhe admirem o porte, lhe saúdem a inteligência, lhe cortejem a beleza.

O intelectual urbano é melómano, é literato, é esteta, é viajado, é cosmopolita, é giro, é liberal, é rico ou remediado, é burguês de proveniência, embora, geralmente, conviva mal com o facto. Detesta moscas e padres. Aliás, a igreja, do papa ao sacristão, cria-lhe um sentido fóbico. Enjoa feijoada e acha o cozido à portuguesa pura vianda suína. Perde-se, porém com a cozinha étnica. É magnífico em Lisboa petiscar em indonésio, lambuzar-se em vietnamita, intoxicar-se com sushi e defecar em japonês.

O intelectual urbano é da esquerda, não porque a esquerda seja coisa diferente da direita, mas porque tem outra estética, outro visual, outro charme, outra sofisticação.

O intelectual urbano é pós-moderno. Nenhuma causa sobreleva em importância a instituição dom casamento Gay, a procriação artificial e a pedido e a liberalização do aborto. Quem contrarie o seu proselitismo é intelectualmente desprovido e desprezível, homófobo e anquilosado, desmerecendo os direitos de cidadania que a constituição prodigamente lhe atribuiu.

O intelectual urbano faz alarde da sua presciência que aceita generosamente partilhar com a plebe. Quando se engana, que é quase sempre, descarrega o seu fel sobre a massa informe e ignara que são os portugueses, na sua maioria feios e porcos e alguns mesmo maus.

O intelectual urbano está ofendido por ver Cavaco – um “inculto professor catedrático, boçal e limitado” – em Belém. Nas suas conversas televisivas ou nas elucubrações no Bairro Alto acha que o modelo democrático está em crise. E, no seu íntimo, pensa que só ele e os demais intelectuais urbanos deveriam ter direito de voto. Aliás, como pode o seu voto valer tanto como o da Dona Bernardina que, coitada, apascenta vacas nas terras do Barroso?

Zé de Bragança
In Notícias Magazine 05.Fev.2006

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Cartoonism vs Extremism

O que se tem vindo a verificar é aquilo que referi há algum tempo.

Existe de facto um conflito de civilizações.

Todas as reacções muçulmanas, pelo menos a do "muçulmano médio" têm sido desmesuradas.

A Europa está com cara de medo, mantendo desde há muito a sua vergonha, a sua auto comiseração, que permite até pensar em pedir desulpa por algo de que não tem culpa.

Compreendo que muitos muçulmanos possam sentir-se ofendidos, mas de facto, não qualquer razão objectiva para o comportamento demosntrado. A explicação lógica e plausível é a de que qualquer coisa que o Ocidente faça apenas serve de desculpa para mostrar as verdadeiras intenções, que são a destruição do grande satã.

Ora nós não podemos viver amarrados nos ditames de outros, devemos dialogar, compreender, mas é algo que não se pode fazer contra uma parede.

A última é o presidente Iraniano.

Devemos preparar o futuro, sem belicismos, sem ataques mas defendendo a nossa visão do mundo, ou defendemos regimes teocráticos, muitas vezes assassinos e atentatórios dos direitos mais básicos, ou defendemos a democracia. A evolução já surge em sequer dialogar com esses regimes, e até reconhecê-los, mas enfim é a nossa forma e ainda bem.

No fim de contas a questão dos cartoons acaba por ser ridícula