por Paulo Pinto Mascarenhas*
A propósito do anúncio de putativos apoiantes de Cavaco Silva e Mário Soares na corrida presidencial, o constitucionalista Vital Moreira escreveu no seu blogue (www.causa-nossa.blogspot.com) que o candidato do Partido Socialista "goza de uma inigualável capacidade de atracção no campo da cultura, das artes, da literatura". Capacidade, essa, acrescenta o professor de Coimbra, "que em muito supera o previsível maior apelo de Cavaco Silva entre empresários e gestores." Tais apoios seriam sintomáticos do "diferente perfil, humano e político, dos dois candidatos diz-me quem te apoia, dir-te-ei quem és".
Descontando o facto de Vital Moreira ser também ele próprio um reconhecido apoiante de Mário Soares, a verdade é que as palavras citadas resumem em grande medida o modo como os políticos de direita - ou os que podem ser considerados como tal - são analisados na sua relação com a cultura.
O espírito humanista e letrado do principal candidato de esquerda estaria em confronto directo com o perfil economicista e meramente contabilístico do candidato de direita - ou, repito, como tal entendido, já que o próprio prof. Cavaco Silva terá dúvidas fundamentadas sobre esta definição política. A imagem desfocada, apesar de poder parecer caricatural, é em larga medida o quadro impressionista que muitos comentadores continuam a pintar da direita em Portugal.
A cultura é considerada por alguns como um condomínio fechado da esquerda mais de 30 anos depois do 25 de Abril. Compreende-se que esta fotografia a preto e branco pudesse ser tirada pouco depois da Revolução. Nem que fosse em razão do passado de luta contra a ditadura deposta, porque as actividades culturais serviram durante largos anos como uma plataforma da oposição democrática - e das esquerdas - ao regime salazarista. Mesmo tendo em conta as mudanças significativas registadas sobretudo nas duas últimas décadas, persiste a dificuldade objectiva de acumular o estatuto de intelectual ou agente da cultura com a opção política de direita. Dito de outra forma, são inúmeros os intelectuais que assumem publicamente o apoio a ideias, partidos ou candidatos de esquerda - ou mesmo da extrema-esquerda. Contam-se porém quase pelos dedos de uma mão os que se afirmam de direita.
Correndo o risco de algum simplismo, ser de esquerda ainda não passou de moda. Apesar de tudo o que a queda do Muro de Berlim e a informação entretanto felizmente tornada histórica permitem saber. Apesar do que foram os regimes comunistas de Leste e das verdadeiras atrocidades que se praticaram em nome de valores ditos de esquerda, nomeadamente da igualdade entre os homens. Apesar de Cuba, Coreia do Norte, Tiananmen, muitos preferem dirigir o furor intelectual contra uma das maiores e mais livres democracias do mundo, os Estados Unidos. Provavelmente por serem presididos por um político que não é de esquerda.
As críticas são obviamente legítimas e a opinião é livre. Falta saber e é importante discutir se, em grande parte, não cabe à direita a responsabilidade pela larga difusão de tantos lugares-comuns. Se não é a própria direita que se tem esquecido de pensar a cultura, de agir culturamente, de sair da máscara de ferro em que a tentam encerrar.
Os promotores das "Noites à direita. Projecto liberal" defendem que essa culpa não pode continuar a morrer solteira. Por isso mesmo, depois de termos debatido em Julho com Vicente Jorge Silva a relação entre "A direita e a liberdade", marcámos para quinta-feira às 20.30 uma conversa aberta e pluralista sobre "A direita e a cultura", a ter lugar no Jardim de Inverno do Teatro Municipal de S. Luiz, em Lisboa.
Outros debates irão surgindo. António Mega Ferreira é, desta vez, o ilustre representante da esquerda, enquanto Pedro Mexia e Rui Ramos intervêm pela direita - ou, se assim o entenderem, pelas direitas, porque o que não faltará certamente serão opiniões diferentes.
O leitor, que teve a amabilidade e a paciência de ler estas linhas até aqui, pode e deve também dizer de sua justiça, porque é o nosso convidado principal.
* Promotor das "Noites à direita. Projecto liberal"
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