Para os cidadãos espanhóis, o 1º de Dezembro, data da Restauração da Independência de Portugal, em 1640, é um dia normal, cujo significado histórico desconhecem, segundo o historiador espanhol Rafael Valladares.
A vontade de 20% dos portugueses pertencerem a Espanha, de acordo com uma sondagem do SOL, deve-se sobretudo a um descontentamento com o Governo português.
«Na sociedade espanhola existe uma indiferença infelizmente prolongada durante gerações face a Portugal (...), que é responsável por que ninguém saiba que o 1º de Dezembro é uma festa nacional em Portugal», disse o historiador, autor do livro A Independência de Portugal - Guerra e Restauração 1640-1680, que acaba de ser lançado em Portugal.
Na sua opinião, essa indiferença decorre da «frustração que a sociedade espanhola sentiu por causa da perda de Portugal e essa frustração, com o tempo, transformou-se em indiferença espanhola em relação a Portugal».
«É uma maneira de dissimular a frustração que causou naquela altura a perda de Portugal. Mas hoje, acho que essa indiferença é inconsciente, é um fruto do passado», acrescentou o especialista em monarquia hispânica dos séculos XVI e XVII.
Nas escolas espanholas, o ensino do período dedicado ao império espanhol, «à época dos Áustrias - dos Filipes, como dizem em Portugal -, inclui o estudo da incorporação de Portugal e da guerra, em 1640, mas de uma forma muito leve» , indicou.
Na perspectiva de Rafael Valladares, de 42 anos, doutorado em história pela Universidade Complutense de Madrid, «Espanha vê hoje Portugal como um vizinho cordial, amável, que não causa problemas - o que é importante - mas com um matiz de paternalismo» que considera «muito negativo para as relações entre os dois países».
«A partir do século XVIII, quando se consolidou realmente a separação de Portugal, os espanhóis desenvolveram um complexo de superioridade face a Portu gal para compensar o trauma da perda de um território que era todo um império», explicou.
«Temos de ter em conta que a sociedade espanhola experimentou, sobretudo durante os últimos 15 anos, um desenvolvimento importante que distanciou muito os parâmetros económicos e sociais de Espanha e Portugal. Mas a economia não manda, não é, digamos, o factor mais importante nas relações entre os países», frisou.
«Portanto, à parte a economia, eu diria que num contexto social, a relação é de absoluta simpatia, cordialidade e afecto por um país vizinho. Por que é , então, que esta relação não se desenvolve mais?», interrogou-se.
E respondeu, diagnosticando a existência de «um grande fracasso, o fracasso das classes políticas de Espanha e de Portugal, que não estão a aproveitar o momento 'doce' que estão a viver os dois países, que partilham há muito tempo na história muitas coisas: a União Europeia, a NATO e toda uma série de valores».
Segundo o historiador, não faz sentido que os dois países continuem de costas voltadas por causa da sua relação conflituosa no passado.
«Depois de contemplar este fracasso da classe política para conduzir o processo de aproximação real entre as sociedades, deveriam ser as duas, a sociedade civil portuguesa e a espanhola, através de organizações, fundações, etc., de tipo cultural, económico, político, as responsáveis por criar um tecido mais unido entre os dois países», defendeu.
Sobre as sondagens que ciclicamente se realizam em Portugal, segundo as quais uma percentagem relativamente elevada (no caso da mais recente, realizada pelo SOL, 20%) dos portugueses queriam ser espanhóis, Rafael Valladares afirmou que tais resultados «reflectem mais um certo mal-estar da sociedade portuguesa em relação aos seus Governos», do que «um real afecto por Espanha».
Apesar de pensar que os portugueses poderão não aceitar a opinião de um espanhol sobre esta matéria, o historiador emite-a na mesma: ser português não é um fatalismo, é um privilégio.
«Pertencer a um país com um passado, uma história, um território como Portugal, que foi capaz de fazer o que muitas outras nações europeias supostament e mais desenvolvidas e mais ricas não conseguiram, é um privilégio cultural. Tal vez estejamos a exagerar o peso que a economia tem nas vidas das pessoas», sustentou.
«Eu venho de um país que há 30 ou 40 anos era um país subdesenvolvido, um país que há 60 anos vivia uma guerra civil que o deixou totalmente destruído. Portanto, posso afirmar que um país é capaz de superar tudo», comentou.
«E mesmo quando não se supera todos os índices de crescimento económico - que parece que agora é o único Deus que temos - ficam outros valores, de um passado, de um património de expansão planetária, que também não devemos exagerar , mas simplesmente valorar na justa medida do valor que têm», insistiu.
Salientando tratar-se «mais da opinião de um espanhol do que de um historiador», Rafael Valladares disse que «gostaria muito de que a sociedade portuguesa reflectisse sobre estes valores, para abandonar esse fatalismo que não leva a nenhum fim positivo e começar a construir um optimismo, a que tem direito».
O historiador resolveu dedicar-se ao estudo do período da Restauração da Independência de Portugal - que investigou durante quase 10 anos, entre 1989 e 1998, altura em que foi publicada a primeira versão desta obra, que posteriormente aprofundou, introduzindo alterações - por achar que «Portugal é imprescindível para compreender aquela época».
«Quando estamos a falar desta época da Restauração, dos Filipes, não falamos de Portugal e de Espanha como hoje são, estamos a falar de uma coroa de Portugal, estamos a falar de uma monarquia hispânica, que não era só Espanha, era todo um conjunto de territórios, um conglomerado impressionante que tinha uma id entidade mais ou menos hispânica, mas não só hispânica», explicou.
«Em Portugal é muito típico falar de Portugal e Castela, mas a coroa dos Áustrias, dos Filipes, não governava para Castela, era todo um império multiterritorial. Se os Áustrias tivessem governado realmente pensando só nos interesses de Castela, Castela não teria ficado tão pobre e arruinada como ficou no fim», acrescentou.
O historiador considera que «nesse contexto, hoje é muito mais fácil não só introduzir Portugal na historiografia espanhola, como é imprescindível para compreender aquela época».
«Sem Portugal, não se pode compreender a história de Espanha. É impossível», rematou.
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