in DN
O meu primeiro emprego, algures em 1978, foi na Revisão do Jornal de Notícias. Garantir que não faltava a letra fatídica em palavras perigosas como conta, pedido ou carvalhos não era emprego de sonho para um quartanista de História.
O horário era mau, pois pegava às 20.00, mais ou menos à mesma hora que as minhas amigas e amigos iniciavam com um jantar no Botas ou no Papagaio um programa de noite bem mais sexy que o meu.
E as regras de funcionamento da secção, superiormente estabelecidas pelo chefe - o sr. Almeida, que protegia os punhos com manguitos e adjectivava de "asnáticas" as nossas distracções -, eram péssimas.
Como no ocaso dos agitados 70 os jornais já tinham engrenado a marcha atrás na hora de fecho, por volta das duas da manhã a prova da 1.ª página já estava revista e assinada.
Apesar de não haver mais nada para fazer, só tínhamos ordem de soltura quando batiam as três, pelo que ficávamos todos na conversa mole e a olhar para os ponteiros do relógio da parede.
Na fé religiosa que o sr. Almeida depositava no estrito cumprimento do horário do trabalho não havia espaço para me deixar sair cinco minutos antes da hora, a tempo de apanhar o último autocarro da carreira 1, que partia de Sá da Bandeira às 03.00 e fazia a Marginal até Matosinhos.
Várias vezes lhe impetrei (o sinónimo do verbo pedir que o sr. Almeida preferia usar no dia-a-dia) esse pequeno favor, mas sempre sem sucesso, pelo que não me restava outra hipótese senão transferir para os taxistas o dinheirinho ganho nessa noite - ou então vencer a pé a distância entre Gonçalo Cristóvão e as torres vermelhas da Pasteleira.
Trabalhar na Revisão do JN não foi um emprego de sonho, mas eu mantive-o, até não ser renovado o contrato (quando fui chamado para a tropa), na vã esperança de que ele fosse um atalho rápido para ingressar na Redacção - na verdade não foi, pois só agora, 33 anos depois, me tornei jornalista do JN.
Vem esta recordação a propósito do facto de apenas 7% dos jovens (sub-30) portugueses se sentirem motivados para trabalhar, um dos mais baixos valores encontrados pela GFK numa sondagem realizada em 25 países europeus.
Eu sei que policiar a concordância numa frase é bem melhor que trabalhar num call center. Eu aceito que seja muito aborrecido ser a primeira geração que vai viver pior que a dos seus pais. Eu concordo que é tramado perceber que vão ser frustradas as expectativas num futuro sorridente, construídas numa infância e adolescência fáceis. Mas aviso a autodenominada geração à rasca de que não adianta nada culpar os outros pelos nossos problemas - nem esperar que alguém os vá resolver. O melhor que têm a fazer é começarem já a construir o futuro com os vossos próprios recursos.
Sem comentários:
Enviar um comentário