Centenas de descendentes de exilados do franquismo vão ao Consulado de Espanha pedir a nacionalidade dos avós no quadro da Lei da Memória.
Rosário López organizava um conjunto de papéis. Parecia que faltava alguma coisa. Falava com o segurança do Consulado de Espanha, no centro de Buenos Aires. Queria saber onde era a fila para obter nacionalidade "europeia". "O meu pai era de Granada, na Andaluzia; veio exilado para a Argentina, em 1940. Agora posso finalmente ter a nacionalidade do país dele; é justo", diz. Já no interior da missão, oito pessoas formavam fila no balcão destinado a este serviço.
Há quase dois meses que os pedidos de cidadania espanhola, possibilitados pela Lei da Memória Histórica espanhola, em vigor desde o início do ano, chegam ao ritmo de 200 por dia. A motivação varia. "Já estive de férias em Espanha, adorei. Há outro futuro, assim que tiver cidadania mudo-me para lá", expôs o estudante de cinema Daniel Ortega. A medida destina-se sobretudo aos descendentes dos exilados da guerra civil e do franquismo. "Calcula-se que sejam 500 mil, desde o Uruguai, a Cuba, Chile e até França. Só na Argentina há 300 mil descendentes de espanhóis", disse Pablo Pérez, professor de Sociologia na Universidade de Buenos Aires. Em Cuba espera-se uma avalanche de 250 mil a 300 mil candidaturas, 150 mil delas com possibilidades de aprovação. Os interessados podem fazer o requerimento pela Internet ou nas embaixadas, consulados e registos civis municipais de Espanha.
Um futuro europeu
Rosário López é bancária. Diz que não vive mal, ganha cerca de 2000 pesos por mês, o equivalente a 444 euros. "Mas a Argentina não tem futuro." A recessão económica em Espanha não a assusta, o país tem outras condições. "A crise é conjuntural, Espanha tem outra solidez económica, permite-nos ter visão de futuro. Além de que é a terra do meu pai", diz. Um representante do consulado adiantou já ter recebido 40 mil pedidos, a agenda já estará cheia até Novembro. De acordo com a tramitação desta norma da Lei da Memória Histórica, as solicitações devem ser registadas até 2011. "Assim que puder vou para Madrid estudar cinema, é Europa, muito mais culta e arejada que a América Latina", vinca Daniel Ortega. Actualmente vivem na Argentina cerca de 300 mil espanhóis. De acordo com Daniel Barreiro, um dos coordenadores da organização Filhos e Netos de Espanhóis, este número pode duplicar. Diz que muitos dos associados pretendem sair do país devido a questões económicas. "Mas outros, e são muitos, querem a cidadania espanhola por motivações emocionais, como se fosse uma sublimação, um regresso à pátria, ou a sublimação da história", sustentou Barreiro. O embaixador espanhol, Rafael Estrella, concorda com a leitura. Numa entrevista recente, afirmou que a maioria dos interessados tem "o afecto como estímulo" e não a vontade de obter uma passaporte europeu para deixar o país.
"Sim, há um interesse afectivo, tem que ver com as raízes, a origem, a pátria, mas com a crise financeira internacional a chegar à América Latina, algumas pessoas partirão em busca de uma vida melhor", frisa o sociólogo Pablo Pérez.
Duas pessoas largam um táxi à porta do consulado. Carlos Rodriguez é filho de um espanhol de Vigo, na Galiza. A filha, Ortência, nunca foi a Espanha. "Eu não pretendo ir, mas para a minha filha é uma óptima opção; estuda Medicina, assim que acabar, deve ir fazer vida para lá, as perspectivas de carreira são muito melhores", defende. Apesar de reconhecer que a Espanha faz sobretudo parte da "miragem europeia", o professor na Universidade de Buenos Aires não prevê uma "fuga em massa". "Entre 1998 e 2002, quando o PIB do país caiu 25 por cento, aí sim, todos queriam fugir da Argentina. Agora penso que nem todos os que pedem cidadania espanhola querem sair. Estão também muito movidos pela ideia de que serão também europeus, a América Latina ainda alimenta essa miragem, essa idolatria da Europa", sublinha.
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