sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Cão da Casa Branca descende do canil de Conchita Cintrón

Raça portuguesa é a preferida de Michelle Obama.

O "melhor amigo" de Sasha e Malia, filhas de Barack Obama, já está escolhido: vai mesmo ser um cão-d'água português. Michelle Obama pôs um ponto final nas especulações ao garantir à revista People que a raça portuguesa é a preferida para habitar a Casa Branca. Mas não foi fácil. Como o Presidente norte-americano chegou a dizer, em jeito de brincadeira, "foi mais difícil do que encontrar um secretário do Comércio". E se a escolha foi turbulenta, a história do cão-d'água português também está longe de ser banal. "Dava para escrever um romance", garante Hugo Oliveira, da Associação para a Protecção dos Cães-d'Água.

O "bom temperamento" e o "tamanho adequado" do cão-d'água português, que Michelle fez questão de enaltecer, só são reconhecidos no outro lado do Atlântico porque, nos anos 70, Dayanne Miller tornou a raça popular ao aparecer em fotos com um cão-d'água comprado à toureira luso-chilena Conchita Cintrón. Aliás, a travessia para terras do Tio Sam está intimamente ligada à famosa cavaleira tauromáquica, que morreu em Portugal há cerca de uma semana, aos 86 anos. Foi também uma morte, a do comerciante Vasco Bensaúde, que fez com que Conchita fosse responsável pelo único grupo de cães-d'água existente no mundo.

Vasco Bensaúde foi o "pai da raça". Fazia parte de uma família açoriana abastada, de origem judaica, e desde cedo se dedicou ao comércio marítimo. Os Bensaúde são ainda hoje uma família influente, da qual o ex-presidente Jorge Sampaio é descendente, por parte materna. Vasco dispensava as lides da política, mas mostrou liderança na condução da raça. Tudo começou quando, nos anos 30, em terras algarvias, Bensaúde encontrou e ficou deslumbrado com Leão, cão de companhia de um pescador, que Vasco prontamente decidiu levar para Lisboa. Porém, o pescador não quis vender o animal por preço nenhum e disse mesmo que só o faria se "saísse a sorte grande". O açoriano regressou a Lisboa cabisbaixo, mas semanas depois o inesperado aconteceu: o filho do pescador enviou um telegrama a dizer que Bensaúde podia ir buscar o cão, porque o pai acabara de ganhar a Lotaria (!!).

Leão veio para Lisboa e é dele que descendem todos os cães desta raça que hoje existem no mundo, incluindo o que irá conviver com os Obama. O animal serviu de molde para o estalão da raça e, juntando-se a outros três que viriam do Algarve, foi pai de 30 cachorros. A continuação estava garantida, mas Leão acabaria por morrer na Quinta dos Bensaúde, em Benfica, por alturas da II Guerra Mundial. O Canil Algarbiorum tornou-se mais selectivo, e todos os cães que se desviassem da linhagem estavam condenados a passar a vida num barco dos Bensaúde.

Antes de morrer, Vasco Bensaúde assegurou que alguém continuava o seu trabalho e deixou os seus cães-d'água de herança a uma conhecida criadora de cães: Conchita Cintrón. A cavaleira que criava cães era de origem peruana, e acabaria por se naturalizar portuguesa ao casar com um aristocrata português, Francisco Castelo Branco. Proibida pela lei espanhola de ser matadora, acabaria por se tornar cavaleira. Com muito sucesso. Primeira mulher a tourear nos EUA, admirada por figuras como Orson Welles, soube usar bem a fama e depressa se tornou influente junto da aristocracia norte-americana. A grande maioria dos seus cães acabariam por ser vendidos a americanos ricos que se dispuseram a pagar um bom preço. Segundo Hugo Oliveira, "já na altura, Conchita vendia cães-d'água aos americanos por dois mil dólares". A toureira segurou então as estribeiras da raça até 1974, quando algumas famílias mais abastadas foram expropriadas das suas quintas, na sequência do 25 de Abril. Para os cães, a revolução seria fatal. Mortes por doença, fugas e abatimentos acabariam por fazer Conchita rumar ao México sem nenhum animal. Por pouco a raça não acabou. Nos EUA a raça foi bem estimada e chegaria aos dias de hoje com a reputação que deslumbrou Michelle. Hugo Oliveira não tem dúvidas de que um cão-d'água português será "uma óptima companhia na Casa Branca". E é graças a Bensaúde e Conchita que o cão-d'água faz hoje parte das conversas e, em breve, da companhia, da família Obama.

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