quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Face (nada) Oculta e Watergate

Nixon foi o único presidente dos Estados Unidos da América a demitir-se.

Povo há no mundo que mais respeite as suas instituições e daí o tremendo choque causado por tal evento na sociedade americana com repercussões até aos dias de hoje.

Povo há no mundo que respeite mais a liberdade de informação, até porque incorpora na sua geneticidade societal a liberdade e a democracia, entendendo perfeitamente que ambos só existem com uma informação livre, sendo esta pedra basilar do sistema assim como o é o estado de direito.

Watergate foi uma conspiração dramatizada em dois actos. O primeiro um assalto à sede do Partido Democrata onde se fotografou documentos e se plantou escutas. O segundo acto, a tentativa governamental de abafar o caso.

Em ano de eleições 5 homens foram apanhados em flagrante na sede de campanha do Partido Democrata com material de espionagem nas mãos.

O Washington Post publica que um dos assaltantes recebeu dinheiro além de trabalhar para o comité de Reeleição de Nixon.

Esta notícia em Portugal seria vilipendiada por se ter quebrado o segredo de justiça. Notícia que se revelou importantíssima, devido a já existirem 3 dias depois do assalto, manobras na Casa Branca para travar as investigações através do director do FBI nomeado politicamente e da CIA.

A mítica figura apelidada de "garganta funda", fonte da investigação jornalística foi durante 30 anos de identidade desconhecida e soube-se hà pouco que era um dos directores adjuntos do FBI.

As opiniões convergem num ponto, não foi o Washington Post que demitiu Nixon, foi a justiça, a comissão do senado e o processo de destituição iniciado após milhões de cartas dos eleitores a exigirem o processo.

Torna-se claro que foi a pressão da opinião pública, o escândalo, que motivaram a acção da justiça. O factor definitivo para Nixon se demitir foi o conhecimento de uma cassete onde se ouvia o presidente a pedir a travagem da investigação. Esta gravação (escuta) tinha sido feita pelo próprio Nixon. Para história a cassete ficou conhecida com "the smoking gun tape".

Esta cassete foi imediatamente tornada pública e isso foi decisivo para o desfecho final.

Sim, nos EUA não existe Segredo de Justiça. Sim, foi o tribunal a divulgar as cassetes. Sim, o tribunal contribuiu para a manutenção do estado democrático.

Em Portugal a Justiça que deveria ser dos cidadãos para o cidadãos parece servir somente para proteger o status quo. A justiça em Portugal e o corpo jurídico português, parecem ser uma barreira à justiça e não a sua mão.

Torna-se claro também que sem a perseguição jornalística da história, um grave atentado ao estado de direito por parte do máximo responsável por esse estado de direito teria passado incólume.

É certo que o dever de um jornal não é julgar. Não é o Sol ou qualquer outro meio de comunicação social que vai demitir José Sócrates, Pinto Monteiro, ou qualquer outra figura de estado. Isso compete às entidades competentes.

O que compete à imprensa é vigiar, denunciar, ser os olhos e a voz do povo. Especialmente no momento em que as instituições parecem não funcionar a favor dos cidadãos mas em favor da sua própria mecanização entrópica.

Watergate é tido como o exemplo paradigmático do que é bom jornalismo. Das investigações dos jornalistas até às dicas do "garganta funda", o extensivo trabalho de um jornal, "The Washignton Post", levou até às últimas consequências o dever e o direito de informar, contrastando pelos casos que vão aparecendo na comunicação social portuguesa subitamente talhados a meio.

Watergate parece que nunca teria sido possível em Portugal pelos entraves colocados pelo próprio sistema. Se nos EUA o sistema democrático é feito de pesos e contrapesos, e Portugal a balança parece tender somente para o lado do poder.

Isto não é democracia, ou melhor, uma democracia cosmética.

A imprensa portuguesa não é livre de crítica certamente, mas neste caso, a forma nunca se poderá sobrepor ao conteúdo. As alegações são demasiado graves para isso. Quem renega estes factos inverte as prioridade colocando o formalismo como base da Democracia e não a Liberdade.

O Sol está de parabéns porque ao contrário do que muitos dizem, defendeu a Democracia, não a deturpou nem atacou, defendeu o bem maior que é a cidadania. Quem não compreende isto não será certamente um democrata.

Remataria somente com esta pergunta. De sua justiça, será mais grave utilizar os meios e poder do estado para obter vantagens face aos adversários políticos, ou usar os meios e poder do estado para controlar o pensamento de toda uma nação?

Nixon demitiu-se... E tu Sócrates?

3 comentários:

ateixeira disse...

"Watergate é tido como o exemplo paradigmático do que é bom jornalismo. Das investigações dos jornalistas até às dicas do "garganta funda", o extensivo trabalho de um jornal, "The Washignton Post", levou até às últimas consequências o dever e o direito de informar, contrastando pelos casos que vão aparecendo na comunicação social portuguesa subitamente talhados a meio."
Porque é que você acha isso? Quando rebentou o caso Watergate também se soube de mais duas coisas: uma delas foi a COINTELPRO. Documentos oficiais do governo form descobertos e mostravam o trabalho de subversão, sabotagem, terrorismo (que chegou mesmo ao nível de se assassinar um activista negro por membors do FBI e polícia) a grupos de direitos civis. Também foi nesta altura que rbentou o caso dos Pentagon Papers: que entre outras coisas demonstravam que os envolvimento dos EUA no Vietnam começou mais cedo do que esperado, que LBJ tinha forjado o incidente do Golfo de Tonkin, que se tinham aumentado o número de tropas efectivas no Vietnam em segredo várias vezes, da guerra química que se fez aos camponeses do Vietnam do Sul, do bombardeamento a alvos civis no Camboja e Laos (dois países neutros neste conflito), da conivência da CIA para com o golpe de estado no Vietnam do Sul, do escalar da violência no Camboja e Laos por parte da administração de NIxon, etc, ect, etc.

Com isto tudo os jornalistas vão atrás das escutas e do arrombar o gabinete de um político (que se não souber foi feito devido ao seu papel na divulgação dos Pentagon Papers) e isto é apresentado como uma grande vitória do jornalismo virtuoso e livre. Eu vejo isto é como uma prova da subserviência do jornalismo à instituições que de facto têm poder. Ninguém quis saber dos camponeses do Vietnam, Camboja e Laos, ninguém quis saber dos movimentos feministas, dos movimentos dos direitos dos negros, ninguém quis saber dos movimentos dos direitos dos índios. O que a impressa martelou fortemente foi o facto de se ter escutado uns quantos políticos (tanto democratas como republicanos) e se ter arrombado o gabinete de um político democrata.

Explique lá por que é que esta atitude é um exemoplo paradigmático de bom jornalismo?

Braveman disse...

Antes de tudo, muito obrigado pelo estimulante e pertinente comentário. Tem muita razão quando refere o caso do COINTELPRO e dos Pentagon Papers, o segundo aliás levou a um outro assalto perpetrado pelos mesmos "canalizadores" que levaram a cabo o plano Watergate.

De facto são dois casos gravíssimos que deveriam ter tido também tratamento extensivo. Não o terão tido e muitas razões haverá para o facto. Recordo que esses casos também forma denunciados pela imprensa.

Ponto um, embora gravíssimos, parece-me que esses casos acabam por não ter a mesma dimensão no corroer das fundações da própria democracia norte-americana. Quando afirmo isto tem a ver com o facto de que a liberdade de expressão ser um dos pilares fundamentais da democracia americana. Claro que também o são os direitos civis mas temos de colocar os acontecimentos à época, onde o racismo por exemplo era pungente nos EUA.

No caso do Vietname, o patriotismo é um actor principal que deve ter-se em conta.

Já como suposição minha, temos que em Watergate havia uma fonte de topo, quaisquer que fossem as suas motivações, que permitiu muitas vezes encaminhar a investigação no sentido correcto, algo que poderá não ter havido nos outros casos.

mais uma vez obrigado pelo pertinente comentário

ateixeira disse...

Muito obrigado pela tão rápida resposta, que ainda para mais tem vários pontos de interesse para mim.

No entanto para fazer justiça a tudo o que disse penso que é melhor responder por via de um post no meu próprio blog, uma vez que muita coisa ficaria por dizer nos comentários.

Mais logo cá volto com o link para o post em questão.