segunda-feira, julho 20, 2009

Um português, uma petrolífera, uma venda de 7,3 mil milhões

No próximo dia 24 de Agosto, a chinesa Sinopec vai pagar qualquer coisa como 7,3 mil milhões de dólares (cerca de 5,2 mil milhões de euros) para ficar com as acções da Addax, uma empresa de exploração de petróleo independente. A operação será feita totalmente em dinheiro, o que é pouco comum na actual conjuntura de crise.
No entanto, a Sinopec também não é uma empresa normal, já que é dominada pelo Estado chinês, ávido de petróleo para continuar a crescer. E a própria história da Addax e deste negócio é também invulgar, tendo um português como protagonista.

Pedro de Almeida, hoje com 62 anos, foi um dos quatro fundadores da Addax, que nasceu para o negócio de compra e venda (trading) de petróleo e produtos refinados em 1988. Licenciado em Ciência Política pelo actual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, e tendo frequentado a Escola Naval, tinha acabado de sair da Sociedade Central de Cervejas quando respondeu a um anúncio para dirigir a frota da Soponata, do grupo Petrogal, em 1973/74. Foi aceite, e a partir daqui nunca mais deixou de estar ligado ao mundo do petróleo. Cinco anos depois, já a trabalhar no departamento de compra de crude para as refinarias nacionais, cruza-se com Patrick Monteiro de Barros, e parte para Paris para trabalhar com o empresário na Philip Brothers. É aqui que desenvolve o gosto pelos negócios internacionais e pelo mercado africano, além de conhecer o suíço Jean Claude Gandur, actual presidente executivo e grande accionista da Addax Petroleum. O passo seguinte foi a constituição da Sigmoil, empresa de trading que também era controlada por Monteiro de Barros, mas onde Pedro de Almeida era já um pequeno accionista, tal como Gandur. O corte com Patrick Monteiro de Barros dá-se em 1987, quando Pedro de Almeida, Jean Claude Gandur e outros dois sócios se juntam para formar uma empresa a partir do zero, baptizando-a de Addax & Oryx. No fundo, como recordou Pedro de Almeida, a ideia era operarem no mesmo tipo de negócio, a compra e venda de petróleo, "mas a uma escala mais pequena", ligados ao continente africano.

Em 1988, um ano depois do arranque efectivo, começa a fase da expansão. Compram a armazenagem da Esso em Dakar, e começam a fazer mistura de fuelóleo. Depois foi a vez da distribuição e armazenamento da AGIP na Tanzânia, e a construção de um enorme terminal multiusos no Benim, seguindo-se as instalações de gás da Shell na Costa do Marfim. "Fomos comprando e fazendo investimentos de raiz, adquirindo activos às grandes companhias que tinham uma política de desinvestimento em África, que deixara de ser importante por causa do risco e da rentabilidade inferior aos países que dominavam. Acreditámos em activos em mau estado mas que estavam baratos", conta Pedro de Almeida. Era a fase de crescimento na distribuição, mas ainda não era aqui que se faria o grande negócio que chamou a atenção dos chineses. O momento fulcral da empresa dá-se em 1998, numa altura de baixa dos preços do barril de petróleo, cotado a 13 dólares. Uma empresa norte-americana, a Ashland, estava disposta a vender os poços que tinha na Nigéria. "Não tínhamos nenhuma experiência de produção, pelo que fizemos uma joint-venture com a Total, em que eles apareciam como comprador e nós assumiríamos a operação de dois poços, um offshore e outro onshore, quando tivéssemos uma equipa de engenheiros e criado a estrutura, que não tínhamos. Era uma operação que não se faz de um dia para outro." A falta de capital leva-os a pedir um empréstimo, agressivo, ao BNP Paribas, que desconfiou da falta de experiência da Addax na vertente de exploração. Afinal, uma coisa é comprar e vender petróleo dos outros, outra coisa é assumir os riscos de investir em poços. Como contrapartida pelo empréstimo, a seis meses, o Paribas pede os activos da empresa como garantia. Quando o preço do barril desce para nove dólares, os alarmes soam na companhia, com o banco a querer accionar as garantias. Parecia que a criação da Addax Petroleum seria o início do fim da aventura do grupo.

"A máquina parou. Estávamos a poucos meses de sermos executados", recorda o empresário. No entanto, como diz Pedro de Almeida, "a sorte, às vezes, protege os audazes", e o preço do barril começa a subir. Primeiro para os 10 dólares, depois para 13, até atingir os 20 dólares. Os 8000 barris que produziam por dia passam rapidamente de encargo a fonte de riqueza. E começou o que viria a ser um negócio milionário. A compra e venda de um campo de gás na Costa do Marfim permitiu incrementar a aposta na Nigéria, subindo para os 40 mil barris por dia. Agora, "era o BNP Paribas a perguntar de quanto é que precisávamos...", relembra. Sobre a Nigéria, os ataques de movimentos como o da Emancipação do Delta do Níger e a corrupção política, Pedro de Almeida explica que "é mais importante atacar a Exxon ou a Shell, em termos mediáticos". "Depois, as nossas plataformas estão fora da zona de maior conflito. Além disso, aprendemos com os erros dos outros, e construímos infra-estruturas como escolas, hospitais e saneamento, o que não criou anticorpos. É verdade que há grande propensão para corrupção, mas existem formas de contribuir sem ser com dinheiro na mão", garante. Com a Nigéria a aumentar a produção, o investimento em novos poços em outras regiões, e com os preços do petróleo a subir, o grupo achou que era a altura de colocar a Addax Petroleum na Bolsa de Toronto, Canadá, o que viria a acontecer no início de 2006. Cerca de 25% do capital é aberto a novos accionistas, e as cotações disparam. Para Pedro de Almeida, que tinha assento na administração da holding, a Addax & Oryx, ainda ligada ao trading, era a altura certa para sair da empresa. "Sou um homem do trading, não da exploração e produção, já tinha dado o que tinha dado em termos de contributo para a holding, queria os meus negócios".

Trocou grande parte das acções da holding por títulos da Addax Petroleum, um privilégio de fundador, e vendeu muitas delas ao mercado, dedicando-se a negócios pessoais, como a Admar Shipping, do Panamá, que tem uma filial em Lisboa, a Admar Trading, de Genebra, e a Admar ET, de Lisboa, dedicada ao transporte de mercadorias por contentores. Hoje, não diz quantas acções ainda detém na Addax Petroleum, sustentando apenas que é um pequeno accionista, sem, no entanto, ter perdido a oportunidade de beneficiar da operação da Sinopec. Quanto à Addax, "foi a única empresa de trading que ganhou estatuto de empresa de petróleo, formada por quatro carolas que acreditaram num projecto, consequentes na sua estratégia de desenvolvimento". Ainda foi à última assembleia geral, há cerca de três semanas, para acompanhar o processo da venda aos chineses, e ver pessoalmente aquilo que apelida de "fim da aventura". Agora, diz, a 24 de Agosto vai chegar a vez de colocar um ponto final na ligação ao projecto que ajudou a criar vinte anos antes.

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