Por Ferreira Fernandes, in DN
O ministro do Interior da Venezuela de Chávez recebeu as duas reféns, estendeu a mão ao chefe da patrulha colombiana que lhas entregava e disse-lhe: "Estamos muito orgulhosos da vossa luta. Mantenham esse esforço e essa fé. Contem connosco." A história da diplomacia - integrada que está na história das trocas, em que a parte que recebe também tem de dar - está cheia desses sapos engolidos. Às vezes é preciso negociar com o diabo e, se tiver de ser, prestar-lhe homenagem. O ministro, no meio da selva, tinha uma incumbência: recuperar as duas reféns. Se para isso era necessário apertar o bacalhau a um terrorista das FARC e desejar-lhe o melhor, assim fosse.
Mas, agora que Clara Rojas e Consuelo González voltaram a casa, deixem-me dizer-vos: grandes canalhas são os tipos da FARC. Eu já sabia, mas fiquei a saber mais pelos testemunhos de Clara, de 44 anos, e Consuelo, de 57. A primeira foi sequestrada em 2002, a segunda, em 2001. Não eram polícias nem soldados - condição única que justificaria, para guerrilheiros, manter preso alguém. Já para narcotraficantes e terroristas, sequestrar qualquer pessoa serve. Ou lhes dá dinheiro ou lhes alimenta a estratégia de difundir terror. Clara, braço-direito da candidata presidencial Ingrid Betancourt (sequestrada com ela, e ainda presa), e Consuelo, congressista, eram políticas de partidos democráticos, que concorriam regularmente às eleições livres na Colômbia, mas esse facto não impediu que fossem sequestradas e mantidas presas tantos anos. Como não impede que simples camponeses sejam a maioria dos 700 presos que as FARC tem.
E o que é ser preso das FARC? Clara e Consuelo contaram alguma coisa. Andaram na selva agrilhoadas com uma corrente ao pescoço, disseram ambas. Quando Clara e Ingrid tentaram fugir, apanharam-nas e aterrorizavam-nas "com tarântulas e cobras". Um dos da FARC fez um filho a Clara; ao fim de oito meses tiraram-lhe o bebé e ela nunca mais o viu (essa preciosa moeda de troca que era a criança, acabaram por a perder e ficou livre sem as FARC o quererem - além de terroristas, imbecis).
Eis, pois, a organização cuja defesa - para lá dos cumprimentos do ministro do Interior com que abro a crónica - foi reiterada, esta semana, por Hugo Chávez. Ele pediu ao mundo para deixar de chamar aos terroristas terroristas, já que eles "têm um projecto político, um projecto bolivariano, que aqui [na Venezuela] é respeitado". Cuba, que também gosta das FARC, aproveitou para oferecer uma clínica para Clara Rojas poder recuperar-se do trauma psicológico por lhe terem retirado o filho bebé. Só falta o PCP oferecer, às duas libertadas, uma entrada permanente na próxima Festa do Avante [Bold nosso].
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