Maria do Céu da Conceição, assistente de bordo da Emirates Airlines, foi ontem eleita Mulher do Ano dos Emirados Árabes Unidos, pelo trabalho humanitário desenvolvido no Bangladesh
Faltava pouco mais de meia hora para ser anunciado o prémio de Mulher do Ano dos Emirados Árabes Unidos e Maria do Céu da Conceição não conseguia disfarçar o nervosismo. Ao telefone a assistente de bordo portuguesa, uma das quatro nomeadas na categoria de Acção Humanitária, preparava-se para aproveitar a noite e, pelo menos, angariar mais fundos para os seus projectos sociais.
"Vou ser como um tubarão", dizia, num português quebrado pela distância. Aos 31 anos, esta funcionária da Emirates Airlines direcciona toda a energia para uma única causa: a das crianças de rua. Tencionava aproveitar cada segundo da cerimónia, com direito a tapete vermelho, para cativar patrocinadores e voluntários - e era isto que lhe suscitava a imagem de um tubarão que não larga as presas. "Há 400 pessoas neste evento e eu vou tentar criar uma base de contactos. Ganhar é importante, mas já fico contente por lá estar." Horas depois, a notícia chegava a Lisboa por SMS. "A Maria ganhou."
Desde que em 2005 aterrou em Daca, capital do Bangladesh (com 13,5 milhões de habitantes), nunca mais voltou a ser uma simples assistente de bordo. O confronto com a dura realidade local, pobreza extrema e crianças na rua teve efeitos imediatos. Decidiu criar uma organização não governamental para educar, alimentar e tratar mais de 600 meninos e meninas carenciados e respectivas famílias. Queria quebrar "o ciclo da pobreza" e, a partir desse dia, passou todas as férias e folgas em Daca a trabalhar no projecto.
Começou em Gawair, um subúrbio da cidade, onde alugou duas salas para instalar uma escola de costura para mulheres, depois um apartamento para uma escola com 30 crianças. Entre 2005 e 2007, 44 famílias conseguiram sair dos bairros de lata e 605 recebem apoio médico e vestuário. O Dhaka Project cresceu. Tanto que hoje a sua gestão está entregue à Rural Services Foundation.
Os atrasos na obtenção de vistos e a falta de cooperação do Governo local desgastaram Maria da Conceição, que só sobreviveu por "amor e paixão" à causa. "Pergunto-me como é que aguentei quatro anos e meio neste projecto. Pergunto-me se serei louca ou persistente. As dificuldades são tão grandes. Há um ano que temos mil quilos de roupa bloqueados na alfândega. Para ter um visto, tenho de ir a Paris. E é difícil ajudar as pessoas que vivem nestes bairros. Nunca foram à escola." À falta de ambição que encontrou nas ruas a hospedeira respondeu com mais teimosia. Está "sempre em cima". Nunca desiste.
Com Daca bem entregue, Maria da Conceição está a preparar novos projectos para replicar o conceito. Quer criar um orfanato no Brasil e acredita que lá terá menos obstáculos. "Não vou ter a barreira da língua, da cultura, da mentalidade e da religião." Portugal, de onde saiu aos 18 anos à procura de uma vida melhor, ainda não está na rota dos seus projectos sociais. Para já. "Se houver oportunidade e patrocinadores, por que não?".
Maria do Céu da Conceição nasceu em Vila Franca de Xira, viveu em Avanca e Vialonga e emigrou para Itália. Passou pela Suíça e por Inglaterra, onde foi recepcionista num hospital de Londres. Um dia, o namorado queixou-se da sua falta de disponibilidade. "Eu trabalhava por turnos e ele queria que eu tivesse um horário de rotina, das nove às cinco", recorda. Foi ao centro de emprego entregar um currículo e propuseram-lhe um trabalho na Emirates Airlines. "Disse ao funcionário: "Acho que não entendeu muito bem. O que eu quero é passar mais tempo com o meu namorado." Mas ele fez a minha candidatura na mesma", conta. Foi admitida. Rumou ao Dubai com o compromisso de viver uma experiência profissional diferente durante seis meses ou um ano. Mas nunca mais voltou.
"Devido ao trabalho humanitário que faço, o Dubai é um bom sítio para estar. Cerca de 99 por cento dos donativos vêm daqui."
Maria da Conceição mantém o emprego na companhia aérea porque só assim consegue viajar de graça e juntar dinheiro para as suas despesas. "O trabalho permite-me arranjar patrocinadores e viajar. Posso ir a Daca duas ou três vezes por mês sem gastar. As contribuições devem ser direccionadas para as pessoas e não para me sustentar", defende.
Depois do Dhaka Project, criou o Catalist, mais focado nos adultos e na inserção profissional. "Já conseguimos arranjar emprego a cinco pessoas do Bangladesh no Dubai. Os salários em Daca são tão miseráveis que não é possível quebrar o ciclo de pobreza", justifica.
Encontrar novas formas de angariar fundos é uma obsessão. A portuguesa do Dubai já correu 16 quilómetros a favor de um orfanato na Tailândia, onde trabalha uma amiga. E ontem à noite aproveitou todos os minutos para captar mais receitas. Como "um tubarão".
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