Orlando Castro
Serviço especial Alto Hama/Notícias Lusófonas
O Presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, enviou uma mensagem ao seu homólogo angolano, presidente não eleito e que está no poder há 30 anos, manifestando confiança no “pleno sucesso” da Taça das Nações Africanas (CAN 2010), que tem início hoje em Angola.
“No dia em que se inicia o Campeonato Africano das Nações, quero manifestar a Vossa Excelência a minha confiança no pleno sucesso deste evento desportivo internacional de primeiro plano, cuja organização é motivo de justificado orgulho para o Povo Angolano e reflexo dos progressos que os caminhos da paz e da reconciliação nacional permitiram alcançar”, escreve, na missiva dirigida a José Eduardo dos Santos. Na carta divulgada na página da Presidência da República na Internet, Aníbal Cavaco Silva afirma ainda a sua convicção de que os angolanos “de Cabinda ao Cunene” saberão “dar provas ao mundo da sua capacidade para superar momentos difíceis, fazendo deste Campeonato uma celebração da paz e do entendimento entre os Povos, pelo desporto”. De Cabinda ao Cunene? Não será antes do Minho a Timor-Leste? Não haverá nenhum assessor de Cavaco que lhe explique que, à luz do Direito Internacional, Cabinda pertence tanto a Angola como Timor-Leste pertencia à Indonésia? Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana), tal como Portugal, assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por Cavaco Silva entender que Angola se estende de Cabinda ao Cunene que a luta vai acabar e o Direito Internacional deixará de existir.
Cabinda é um território ocupado por Angola e nem o potência ocupante como a que o administou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo. É claro que tanto Angola como Portugal apenas olham para Cabinda como um negócio altamente rentável. Se o território fosse um deserto, certamente já seria independente. Mas, ao contrário das teses de Luanda e Lisboa, Cabinda não é só petróleo. É sobretudo gente, pessoas, povo, história e cultura. Quando o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse que "é do interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo". E se é no interesse do Estado português... está tudo dito. Espero que, neste contexto, Cabinda continue a dizer da forma que achar mais apropriada ao governo das ocidentais praias lusitanas que fazem fronteira com um país onde existe o País Basco que, se calhar, era do seu interesse olhar para este território ocupado por Angola e onde, recordam-se?, já estiveram norte-americanos a explorar petróleo guardados por cubanos.
O ministro português, tal como Cavaco Silva, apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a primeira das quais é "a situação de facto", uma vez que, depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, "é convicção do governo português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista". Deve ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. Como segunda razão, Luís Amado referiu que "o problema é político e não jurídico", afirmando que "o direito não pode por si só resolver uma questão com a densidade histórica e política desta". Amado sublinhou, no entanto, que "não sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme complexidade", pelo que "o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de apresentar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas". Ora aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.
"O reforço da responsabilidade da União Europeia", foi a terceira razão apontada pelo chefe da diplomacia portuguesa. Amado considerou que a situação nos Balcãs "é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado", referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o Montenegro e a Sérvia "acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia de toda a região". No caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem se me engano – Portugal desempenha um papel importante. O ministro português frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países da UE que não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que justificassem as reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de jure, um problema português) varreu-os para debaixo do tapete. Como última razão, indicou a "mudança de contexto geopolítico que entretanto se verificou" com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de independência das regiões georgianas separistas da Abkházia e da Ossétia do Sul que Moscovo reconheceu entretanto. Isto quer dizer que, segundo Lisboa, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita ao sabor do acaso, dos interesses unilatreiais.
Sem comentários:
Enviar um comentário